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ministro, tem uma dor no coração e não sabe como livrar-se dela, aceite o meu
conselho, confesse, confesse mesmo que não tenha culpa, o governo dirá ao povo
que foi vítima de um caso de hipnose colectiva nunca antes visto, que a senhora é
um génio nessa arte, provavelmente as pessoas até irão achar graça e a vida
voltará aos carris de sempre, a senhora passa uns anos na prisão, os seus amigos
também lá irão se nós quisermos, e entretanto, já sabe, reforma-se a lei eleitoral,
acaba-se com os votos em branco, ou então distribuem-se equitativamente por
todos os partidos como votos de facto expressos, de maneira que a percentagem
não sofra alteração, a percentagem, minha senhora, é o que conta, quanto aos
eleitores que se abstiverem e não apresentem atestado médico uma boa ideia
seria publicar-lhes os nomes nos jornais da mesma maneira que antigamente os
criminosos eram exibidos na praça pública, atados ao pelourinho, se lhe falo assim
é porque a senhora me cai bem, e para que veja até que ponto vai a minha
simpatia, só lhe direi que a maior felicidade da minha vida, há quatro anos, tirando
não ter perdido parte da família naquela tragédia, como desgraçadamente perdi,
teria sido andar junto com o grupo que a senhora protegeu, nessa altura ainda não
era comissário, era um inspector cego, nada mais que um inspector cego que
depois de recuperar a vista estaria na fotografia com aqueles a quem a senhora
salvou do incêndio, e o seu cão não me teria rosnado quando me viu aparecer aí,
e se tudo isso e muito mais tivesse acontecido eu poderia declarar sob palavra de
honra ao ministro do interior que ele está enganado, que uma experiência como
aquela e
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quatro anos de amizade dão para conhecer bem uma pessoa, e afinal, veja lá,
entrei em sua casa como um inimigo e agora não sei como sair dela, se sozinho
para confessar ao ministro que falhei na minha missão, se acompanhado para a
conduzir à prisão. Os últimos pensamentos já não foram do comissário, agora
mais preocupado em encontrar um sítio para arrumar o carro do que em antecipar
decisões sobre o destino de um suspeito e sobre o seu próprio. Consultou
novamente o caderno de apontamentos e tocou a campainha do andar onde vive
a ex-mulher do homem que escreveu a carta. Tocou outra vez, e outra, mas a
porta não se abriu. Estendia a mão para fazer nova tentativa quando viu abrir-se
uma janela do rés-do-chão e aparecer a cabeça enfeitada de rolos de uma mulher
idosa, vestida com uma bata de trazer por casa, A quem procura, perguntou,
Procuro a senhora que mora no primeiro andar direito, respondeu o comissário,
Não está, por acaso até a vi sair, Sabe quando regressará, Não tenho ideia, se
quer deixar-lhe algum recado, é só dizer-me, ofereceu-se a mulher, Muito
obrigado, não vale a pena, voltarei outro dia. Não lhe passava pela cabeça ao
comissário que a mulher dos rolos na cabeça pudesse ter ficado a pensar que,
pelos vistos, à vizinha divorciada do primeiro andar direito lhe dera agora para
receber visitas de homens, aquele que veio esta manhã, este já com idade de ser
pai dela. O comissário deitou um olhar ao mapa aberto sobre o assento ao lado,
pôs o carro em marcha e dirigiu-se ao segundo objectivo. Desta vez não
apareceram vizinhas à janela. A porta da escada estava aberta, por isso pôde
subir directamente ao segundo andar, é aqui que moram o velho da venda preta e
a rapariga dos óculos escuros, que estranha parceria, compreende-se que o
desamparo da cegueira os tenha aproximado, mas haviam passado quatro anos, e
se para uma mulher nova quatro anos não são nada, para um velho é como se
contassem a dobrar. E continuam juntos, pensou o comissário. Tocou a
campainha e esperou. Ninguém veio atender.
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Encostou o ouvido à porta e escutou. Silêncio do outro lado. Tocou mais uma vez
por rotina, não por esperar que alguém lhe respondesse. Desceu a escada, entrou
no carro e murmurou, Sei onde estão. Se tivesse o telefone directo no automóvel e
ligasse para o ministro a dizer-lhe aonde ia, tinha a certeza de que ele responderia
mais ou menos isto, Bravo, papagaio-do-mar, assim é que se trabalha, apanhe-me
esses gajos com a boca na botija, mas tenha cautela, o melhor seria levar
reforços, um homem isolado contra cinco facínoras dispostos a tudo, isso só se vê
no cinema, além disso você não sabe caraté, não é do seu tempo, Esteja
descansado, albatroz, não sei caraté, mas sei o que faço, Entre de pistola em
punho, acagace-os, faça-os borrar-se de medo, Sim, albatroz, Vou já começar a
tratar da sua condecoração, Não há pressa, albatroz, ainda nem sabemos se
sairei vivo desta empresa, Ora, são favas contadas, papagaio-do-mar, deposito
toda a minha confiança em si, eu bem sabia o que fazia quando o designei para
essa missão, Sim, albatroz.
Os candeeiros das ruas acendem-se, o crepúsculo já vem deslizando pela rampa
do céu, dentro em pouco principiará a noite. O comissário tocou à campainha, não
há por que surpreender-se, a maior parte das vezes os polícias tocam à
campainha, nem sempre arrombam as portas. A mulher do médico apareceu, Só o
esperava amanhã, senhor comissário, agora não o posso atender, disse, estamos
com visitas, Sei quem são as suas visitas, não as conheço pessoalmente, mas sei
quem são, Não creio que seja razão suficiente para o deixar passar, Por favor, Os
meus amigos nada têm que ver com o assunto que o trouxe aqui, Nem sequer a
senhora sabe que assunto me trouxe aqui, e é já tempo de que o saiba, Entre.
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Corre por aí a ideia de que a consciência de um comissário de polícia é no geral,
por profissão e princípio, bastante acomodatícia, para não dizer resignada com o
facto incontroverso, teórica e praticamente comprovado, de que o que tem de ser,
tem de ser, e, além disso, tem toda a força de que necessita. Pode no entanto
acontecer, embora, para falar verdade, não seja do que mais se vê, que um
desses prestimosos funcionários públicos, por azares da vida e quando nada o
faria esperar, se encontre entalado entre a cruz e a caldeirinha, isto é, entre aquilo
que deveria ser e aquilo que não quereria ser. Para o comissário da providencial,
s. a., seguros & resseguros, esse dia chegou. Não se tinha demorado mais que
meia hora em casa da mulher do médico, mas esse pouco tempo foi suficiente [ Pobierz caÅ‚ość w formacie PDF ]
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